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A litigância predatória ou predatória reversa do ente público

  • claudiosantosadv
  • há 6 dias
  • 5 min de leitura
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Nosso sócio Claudio Santos, em coautoria com Elias Menta, Evandro Herculano, Henrique Inacio Paz Brunelli, Marcelo Lipert e Mauro Borges Loch, publica uma reflexão essencial para o debate jurídico de 2025: A litigância predatória ou predatória reversa do ente público.


O corrente ano de 2025, dentre os vários debates jurídicos, trouxe notícias de litigância predatória e esforços de Tribunais para coibir tais práticas. Em nosso sentir, ainda que tais práticas possam existir, não passam de uma ínfima minoria de colegas de profissão que, por razões diversas, imprimem suas práticas profissionais de maneira indesejável e, de fato, em condições específicas e muito bem delimitadas, devem ser repreendidos. É necessário, contudo, dizer o óbvio: essa minoria não representa a totalidade de uma categoria de profissionais que contam com mais de milhão de habilitados para o exercício da advocacia e que exercem suas funções com boas práticas e pautados pela ética.


Partindo das reflexões sobre a litigância predatória, é fundamental ponderar que os entes públicos, que estão entre os maiores litigantes do País[1], figuram em milhares de ações. Por sua vez, essa enorme quantidade de processos depende de uma estrutura bem organizada para cumprimento de todas as necessidades de cada ação, bem como para as etapas pré e pós-processual. Assim, desde o município pequeno, com poucos agentes públicos, orçamento e estrutura até a União, que conta com força profissional qualificada, orçamento e estrutura de ponta, todos os entes possuem um contingente de profissionais do direito a seu dispor em quantitativo mais numeroso que qualquer escritório de advocacia do País.

Refletir sobre litigância predatória envolve, necessariamente, ponderar também sobre os entes públicos – e esse é o objetivo do presente artigo.


Os subscritores do presente texto, com anos de experiência na advocacia em prol de trabalhadores(as) e servidores(as) públicos(as), verificam, diariamente, que o alto número de ações com o mesmo tema em prol de servidores e empregados públicos se originam tão somente pelo fato de haver ao menos uma ilegalidade praticada pelo ente público empregador que, simultaneamente, lesa centenas ou milhares de pessoas com um único ato. A via administrativa é eminentemente ineficaz nesses casos (considerando, inclusive, o medo que os gestores públicos têm de responsabilização pelos órgãos de controle), sendo inevitável que a parte prejudicada se socorra ao poder judiciário para ver cessada a ilegalidade e contar com a reparação.


Nesse contexto, ao invés de se responsabilizar a advocacia pelo grande número de ações judiciais, é fundamental que se analise as causas das ações judiciais para que as vítimas não sejam responsabilizadas por buscar um direito muitas vezes originado por ato ilegal direto do Estado em seu sentido lato. Ora, não é raro verificar que práticas ilegais são reiteradas ao longo de anos, e tais ações não são responsabilizadas adequadamente – vide o pífio valor das indenizações por danos morais, que, dissociadas do caráter pedagógico da condenação, torna interessante a manutenção de práticas danosas contra servidores, empregados, clientes ou terceiros de modo geral.


O exercício profissional também nos mostra que, por vezes, quando a tese, embora justa, é derrotada em algum dos procedimentos que os Tribunais Superiores uniformizam o entendimento, deixa de fazer sentido o ajuizamento da ação – lembrando que o advogado é sempre o primeiro juiz da causa, conforme ensinamento de Calamandrei. Assim, em temas com jurisprudência vinculante consolidada, não mais se ajuízam ações. Por exemplo, na isenção de imposto de renda para servidores ativos com doenças graves listadas na legislação, por mais que o pleito seja justíssimo, a matéria já fora julgada de forma contrária aos interesses dos servidores pelo Supremo Tribunal Federal, deixando a questão de ser matéria de novas ações, salvo raras exceções – que devem ser avaliadas pelos Tribunais, inclusive os de ética da advocacia.

O ponto de inflexão proposto neste breve texto vem justamente quando se nota a outra ponta da relação processual nas matérias pacificadas pela jurisprudência. Por exemplo, quanto analisamos à conversão da licença prêmio não gozada em pecúnia para os servidores já aposentados, mesmo com a pacificação da matéria pelo Superior Tribunal de Justiça em tema vinculante, a União, estados, distritos e municípios insistem em negar administrativamente o direito dos servidores. Tal quadro piora quando ajuizadas demandas buscando esse direito inconteste e pacificado, pois não é raro que sejam apresentadas contestações e recursos pelos entes públicos com os mesmos fundamentos utilizados há décadas e já rechaçados pela jurisprudência pacífica – e, para o espanto geral, por vezes com alegações que afirmam inverdades, como que a jurisprudência seria contrária à pretensão autoral.


Parece-nos, portanto, que estamos diante da litigância predatória ou do fenômeno da litigância predatória inversa[2] que, ao mesmo tempo, gera um passivo de acervo processual desnecessário que demanda uma força hercúlea do Poder Judiciário (cada juiz julga cerca de dois mil processos por ano[3]) para enfrentar ações que não deveriam sequer existir. Tais ações, geram um gasto público desnecessário, quer seja pelo robusto valor custeado pelos próprios entes públicos para manutenção de processos sem sentido por anos (afinal, o orçamento público que arca com as atuações do Poder Executivo e do Judiciário, é, ao fim, o mesmo), e, no final do processo, com o valor devido ainda acrescido pela incidência dos consectários legais.


Sendo assim, é possível inferir da curta análise acima explicitada, que quando o ente público insiste, administrativamente, em matérias incontestáveis ou já pacificadas pela jurisprudência, o que resulta na necessidade de ação judicial (não sendo rara a insistência na apresentação de peças contestatórias infundadas e recursos em um litígio sabidamente já pacificado), há o fenômeno da litigância predatória ou predatório reversa por parte do Estado. Essa postura beligerante gera como consequência maior a sobrecarga do Poder Judiciário, deixando a prestação jurisdicional mais lenta e onerosa.


Não obstante tais aspectos o quadro é agravado pelo fato de que, o assoberbamento do Poder Judiciário, com milhares de demandas que se prolongam demasiadamente no tempo, face a resistência infundada do ente público, resultante da tal prática abusiva, e orquestrada de modo que assim ocorra – demore, seja infirmada ou pereça – lesa não somente o erário, mas, sobretudo, a parte mais vulnerável da relação pré e pós-processual, que é o próprio detentor do direito subjetivo objeto da pretensão judicial que não raras vezes depende de anos para satisfação de elementar direto.

Portanto, o convite que se faz, a partir do presente texto, é ponderar criticamente a postura dos entes públicos em ações judiciais (o que compreende as etapas pré e pós-processual) para que as reflexões sobre a litigância predatória não sejam adstritas e imputadas apenas à advocacia privada, ponderando o sistema de forma global, com especial enfoque ao maior litigante que é o próprio Estado.


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[1] Conforme dados disponibilizados pelo CNJ em: <https://justica-em-numeros.cnj.jus.br/painel-litigantes/>. Acesso em 25/11/2025.


[2] Fenômeno consignado pelo Ministro Herman Benjamim em julgamento da Corte Especial do STJ no caso de grandes litigantes, empresas normalmente, que se recusam a cumprir decisões judiciais, súmulas, repetitivos e textos legais.


[3] Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/justica-em-numeros-2024-barroso-destaca-aumento-de-95-em-novos-processos/>. Acesso em 25/11/2025



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